As redes do 46º Festival de Cinema de Gramado já estão no clima do evento, com dezenas de depoimentos de cineastas, atores e atrizes que estarão na cidade da serra gaúcha para o mais tradicional festival de cinema do Brasil, realizado de forma ininterrupta desde sua criação, em 1973. No Facebook, vídeos gravados por figuras importantes do cinema nacional mostram as expectativas de quem está contando os minutos para mostrar suas produções.
É o caso de Jayme Monjardim, que depois de ser aclamado com sua superprodução “Olga”, em 2004, que abriu o festival de cinema em sessão hors-concours, apresenta, em 2018, aquele que ele vem considerando seu primeiro filme autoral, “O Avental Rosa”: “Vai ser um momento mágico”, aposta. André Ristum, diretor de “A Voz do Silêncio”, quarto filme com o qual participa em Gramado, espera uma “noite incrível, com sala cheia” para a estreia nacional de seu longa. “Será a primeira sessão pública no Brasil!”, comemora.
Já a diretora de “O Banquete”, Daniela Thomas, mandou um depoimento completo sobre as razões por trás de seu filme – desde a concepção do roteiro, o desafio de filmar em planos-sequência de mais de uma hora de duração, a trajetória da ideia, surgida há mais de 20 anos: “Um filme construído, de um lado, pelo meu fascínio por atores – com quem trabalho e convivo há quarenta anos – com o engajamento que eles podem trazer para um papel, e de outro, pela verossimilhança que persigo no meu cinema e que aqui centrou-se no diálogo”, explica.
Abaixo reproduzimos a íntegra de seu depoimento.
SOBRE REALIZAR “O BANQUETE”
Por Daniela Thomas
O Banquete é a minha tragicomédia de costumes. Um filme construído, de um lado, pelo meu fascínio por atores – com quem trabalho e convivo há quarenta anos – com o engajamento que eles podem trazer para um papel, e de outro, pela verossimilhança que persigo no meu cinema e que aqui centrou-se no diálogo. Queria ouvir os personagens falando na tela exatamente como as pessoas falam, ou falavam em volta das centenas de mesas, dos mesões da madrugada, das salinhas e salões que eu tive o privilégio de conhecer desde pequena.
Para começar, a minha casa era um verdadeiro imã de gente interessante, já que a nossa pequena sala do Lido, em Copacabana, tinha que dobrar de estúdio de desenho, aparelho de oposição política, redação de jornal e sala de jantar. E, detalhe, meus pais nos deixavam circular livremente entre adultos, como os da turma do Pasquim, escritores, jornalistas, desenhistas, atores, músicos, diretores. Minha trajetória de cenógrafa e cineasta me proporcionou ainda a continuidade da convivência com pessoas engajadas em cultura e nos movimentos progressistas.
Escrever O Banquete não foi tanto criar diálogos, mas lembrar das conversas, do jeito engraçado e despretensioso de gente que, fora das quatro paredes, fazia a diferença na cultura, na política do país, mas que ali, protegida pela amizade, pelo álcool e privacidade, não se importava em ser desbocada.
Eu acho que a chave do projeto O Banquete é uma coisa assim: atores buscando um domínio sobre o diálogo que já é, de nascimento, familiar, corriqueiro, moldável pela experiência de cada um. (Praticamente não há fala que não tenha sido recriada pelos atores nos ensaios e durante a filmagem.)
O jantar em O Banquete se passa em tempo real e filmá-lo foi uma experiência extraordinária. Planos-sequência de quase uma hora, sem intervalos, sem correções. A câmera em contínuo movimento de Inti Briones poderia focar qualquer um dos atores, a qualquer momento. No fundo da sala, um espelho de fora a fora, não permitia a qualquer um deles a mínima desconcentração: intensidade máxima.
O Banquete teve uma primeira versão há vinte anos atrás, como um texto para ser representado em volta de uma mesa, com a plateia logo atrás dos atores. Cheguei a fazer uns ensaios, mas o projeto não vingou. Foi o meu parceiro de Vazante, Beto Amaral, que em 2009 leu o texto e quis viabilizá-lo para o cinema. Sentiu-se como que projetado de volta para os jantares que acompanhou na sua infância e adolescência e empenhou-se ferozmente para levantar e realizar o projeto.
O tema de O Banquete é a dinâmica erótica entre homens e mulheres que usam a sedução como moeda de troca. Uma dinâmica que está sob intenso ataque agora, mas que, por outro lado, vive uma evidência só comparável talvez à publicação do clássico romance “Ligações Perigosas” no século dezoito na França. Sexo e poder estão na ordem do dia. Trump, Weinstein, as denúncias de assédio somando-se a cada dia por aqui, são a ponta do iceberg de milênios de disparidade entre os sexos.
Em O Banquete as mulheres são prósperas, inteligentes, cultas, capazes, no entanto deixam-se medir pela estima, pelo desejo que os homens têm por elas. Como – guardadas as devidas proporções – Medeias da tragédia de Eurípedes, dois mil e quinhentos anos depois. É interessante que eu venha a lançar o filme justamente num momento de intenso questionamento das dinâmicas entre os sexos. Sinto que pela primeira vez em séculos a hegemonia do desejo andro-euro-cêntrico – que nos trouxe de Medeia até aqui – está sendo abalada. E a militância feminista, dos movimentos identitários e de gênero está nos permitindo vislumbrar outras dinâmicas, outros sonhos para nós e para as novas gerações.
O Banquete pode ser visto, dentro dessa ótica, como um testamento de uma dinâmica de poder entre homens e mulheres que vicejou por muitas centenas de anos, mas que agora está em franca decadência. Como cineasta, sinto a necessidade e tenho o privilégio de deixar um testemunho, um retrato dos nossos tempos.
Ministério da Cultura, Secretaria de Estado da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer e Snowland apresentam o 46º Festival de Cinema de Gramado. Lei de Incentivo à Cultura. Patrocínio: Stella Artois e Casa Aveiro By Dolores. Apoio especial: Gramado Parks. Apoio: Stemac Grupos Geradores, Lugano, Cristais de Gramado, Viviela London, G2 Net Sul e ENIT – Agência Nacional de Turismo da Itália. Apoio institucional: Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Fundacine, ACCIRS, IECINE, APTC/ABD RS, SIAV e Museu do Festival de Cinema de Gramado. Agência Oficial: Vento Sul Turismo. Transporte Oficial: Kia. Agente Cultural: AM Produções. Promoção: Prefeitura de Gramado. Financiamento Pró-Cultura RS, Secretaria de Estado da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer, Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Realização: Gramadotur, Ministério da Cultura, Governo Federal.