Dono do troféu Eduardo Abelin, Otto Guerra faz Gramado gargalhar

19Homenagem à animação

A homenagem da noite deste sábado, 19 de agosto, no 45º Festival de Cinema de Gramado levou a plateia às gargalhadas. Dono de um humor ácido, que carrega para os filmes de animação que produz em seu estúdio, Otto Guerra recebeu o troféu Eduardo Abelin, “um pioneiro do cinema do Rio Grande do Sul”, como ele próprio mencionou.

“Eu tomei um conhaque e esqueci o que ia dizer. Mas estou muito feliz, aquela coisa toda que a gente diz nessa hora”, brincou, no palco do Palácio dos Festivais, para diversão do público.

Foi também com bom humor que definiu a homenagem recebida: “Minha mãe dizia para quem perguntava: ele faz uns bonequinhos. Ninguém entende muito bem o que é viver de desenho em Porto Alegre, no Brasil. Essa é a importância de Gramado, que mostra que isso existe e que é possível viver desse trabalho”.

Uma definição mais comportada do que a que havia dado na coletiva de imprensa, realizada durante a tarde no Mundo de Chocolate da Lugano. Lá, perguntado sobre o que significava a distinção, se saiu com a seguinte: “Sangue e morte. Quanto mais homenagem a gente recebe, mais a morte se aproxima”. Em seguida, remendou: “Brincadeira, gente… é uma honra receber essa homenagem em vida… em vida? Há controvérsias”.

Otto Guerra tem um vínculo profundo com o Festival de Cinema de Gramado. Seu primeiro curta-metragem autoral de animação, “O Natal do burrinho” foi o vencedor da Mostra Gaúcha de Curtas-metragem de 1984, na 13ª edição do evento. “Quando anunciaram o vencedor, saltei três metros de altura. A mostra de curtas, que continua até hoje, é uma janela fora do padrão que este festival mantém”, elogiou, recordando.

O filme, segundo o autor uma obra “careta”, feita “para ganhar dinheiro aproveitando o Natal”, não rendeu o retorno esperado: “Então decidimos criar um final surreal para apresentar em Gramado, foi uma loucura”. O troféu o aproximou do primeiro patrocinador, decisivo para que ele direcionasse então a carreira para o cinema de animação autoral, reduzindo o espaço para a publicidade.

O respeito que tem por Gramado faz com que até hoje todos os seus desenhos sejam lançados no festival. Muitos levaram Kikitos, como o recente “A vendedora de fósforos?”, eleito Melhor Filme entre os curtas brasileiros em 2014.

“Ao todo foram, sei lá, uns oito prêmios. Eu tenho Kikito de madeira, aquele grandão, e até um de borracha”, falou aos jornalistas – a última parte se revelou uma brincadeira também, segundos depois.

Otto parece não conseguir ficar cinco minutos sem fazer piada. “Tem poucos assuntos que eu gostaria de tratar de forma séria”, admitiu.

A produção do Festival de Gramado também fez graça na apresentação do prêmio, com Renata Boldrini – acompanhada nesta noite do jornalista Roger Lerina – lembrando que o talento de Otto se revelou quando aos 12 anos, recebeu, na escola, o prêmio de melhor cartão de dia das mães.

No filme montado especialmente para a ocasião, com depoimentos de amigos, depois de várias saudações engraçadas, a montagem terminou com um take da gata Betsi, olhando para a câmera, como a mandar saudações ao dono.

Foram várias declarações de admiração, como a do cartunista Adão Iturrusgarai: “A animação brasileira não seria a mesma sem Otto Guerra”. O companheiro de produtora que o acompanha na carreira nos últimos 40 anos, José Maia, afiançou: “Otto é a melhor pessoa para se ter ao lado na trincheira”.

Longa com desenhos de Laerte está quase pronto

Também companheira de trabalho por décadas, a ex-produtora Marta Machado revelou um fato inusitado em seu depoimento exibido no telão do Palácio dos Festivais: “Otto foi o cara que me fez virar ser produtora, e também quem me fez desistir de ser, vinte anos depois”.

Na coletiva de imprensa Otto também fez referência ao episódio. Ele e Marta viajavam a São Paulo para encontrar a cartunista Laerte, de quem estavam adaptando quadrinhos para o cinema. O projeto, que havia iniciado em 1993, tinha permanecido sem recursos por muito tempo, e quando surgiu financiamento, os tempos eram outros: “Nesse período o autor virou mulher e passou a renegar os personagens”, revelou o animador.

Otto queria então modificar o roteiro, mas a produtora temia perder o financiamento. No avião, ela ganhou a parada, mas ao sentarem com Laerte, Otto não resistiu, contou à artista sua vontade – e ela concordou. “A Marta se demitiu depois disso”, concluiu.

O projeto, entretanto, segue em produção e deverá ser lançado em 2018 com o título “A cidade dos piratas”: “No Festival de Cinema de Gramado, claro”.

A saída para utilizar os traços e os personagens originais, mas respeitar a nova relação entre autora e obra foi criar um falso documentário que contasse essa transformação de Laerte no filme. Até Otto ganhou um avatar animado para entrar em cena na obra. “Eu procuro tirar proveito das adversidades, eu conspiro a meu favor”, resumiu o cineasta.

O animador também fala sério

Otto Guerra também falou sério. No palco do Palácio dos Festivais fez um paralelo entre o período vivido pelo setor audiovisual depois da extinção da Embrafilmes, nos anos 90 – quando a produção nacional ficou paralisada – e o atual momento político brasileiro. “Estávamos no chão, mas naquele momento, a sociedade civil – nós, vocês – se uniu para juntar os cacos da Embrafilmes e disso nasceu a Ancine, que levou o Brasil a viver, no audiovisual, hoje seu melhor momento”, comparou.

“Vivemos um momento grave, por isso precisamos fazer as pazes, parar de brigar entre nós mesmos, porque todos queremos a mesma coisa”, conclamou, recebendo efusivos aplausos da plateia.

Na coletiva de imprensa, defendeu o direito de fazer humor politicamente incorreto justamente para provocar o debate sobre assuntos importantes na sociedade: “Temos que deixar os preconceitos do tamanho que eles tem. Se não abordamos determinados assuntos, nem os fascistas aparecem e nem incentivamos transformações na sociedade. A hipocresia deforma as pessoas”, analisou, referindo-se ao filme “Rocky & Hudson”, que retrata dois caubóis gays.

O debate foi provocado pela pergunta da professora de animação Ivonete Pinto, que relatou ter passado o filme para seus alunos e ter ouvido muitas críticas à abordagem proposta no curta. Lançado em 1994, seu humor se afasta dos padrões atuais de abordagem da homofobia.

Otto, por sua vez, lembrou que no lançamento do filme, em 1994, também no Festival de Cinema de Gramado, houve críticas exatamente pelo contrário: “A sessão foi bem complicada porque o filme apresentava dois caubóis amantes; e o pior, que também namoravam o cavalo”.

Nesse sentido, convidou a professora à reflexão: “Se os alunos saem da sala, tem que perguntar as razões. Contamos uma história com leveza, que não deve ser escondida”, defendeu.

Para concluir, definiu assim sua obra: “Meus filmes são piada, mas são filmes políticos. Não tem nenhum que não traga questões existenciais para o debate”.

Vários deles poderão ser vistos na mostra Otto Guerra, que começa neste domingo, às 11h, no Museu do Festival.

Ministério da Cultura, Secretaria de Estado da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer, BNDES e Golden Gramado apresentam o 45º Festival de Cinema de Gramado. Lei de Incentivo à Cultura. Patrocínio: Net e Claro e Stella Artois. Copatrocínio: Banrisul – Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Todos pelo Rio Grande. Apoio especial: Museu do Festival de Cinema de Gramado e CVC, sempre com você. Apoio: Stemac, Grupo Geradores, Lugano, Laghetto Hotéis, Kia, Naymarm CiaRio, O2 Pós, Cristais de Gramado, Net Sul, Bafo na Nuca Música, Canal Brasil, RBS TV e Estação Filmes. Apoio institucional: Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Fundacine, ACCIRS, IECINE, APTC/ABD RS e SIAV. Agência Oficial: Vento Sul Turismo. Ingressos: Imply. Agente Cultural: Mais Além Produções. Promoção: Prefeitura de Gramado. Financiamento Pró-Cultura RS, Secretaria de Estado da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer, Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Realização: Gramadotur, Ministério da Cultura, Brasil, Governo Federal.

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