O Festival de Cinema de Gramado é, tradicionalmente, um palco de resistência e defesa do cinema brasileiro. Este ano, o evento lança mais uma vez a Carta de Gramado, que tem como signatários SOS Cinemateca – APACI – Associação Paulista de Cineastas, ABPA – Associação Brasileira de Preservação Audiovisual, Cinemateca Viva e Cinemateca Acesa e já conta com as adesões do 48º Festival de Cinema de Gramado, Conexões Gramado Film Market, Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Abraci – Associação Brasileira de Cineastas (RJ), Accirs – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, Frente Parlamentar da Câmara Municipal de São Paulo, Frente Parlamentar Mista em Defesa do Cinema e do Audiovisual da Câmara Federal, Pavi – Pesquisadores do Audiovisual e da Iconografia, Siaesp – Sindicato da Indústria Visual do Estado de São Paulo, Siav – Sindicato da Indústria Audiovisual do Rio Grande do Sul, e colegiado Setorial do Audiovisual do Rio Grande do Sul.
LEIA A CARTA NA ÍNTEGRA:
A produção cultural brasileira já enfrentou ataques demolidores por parte de muitos governos – os anos Collor foram exemplares nesse sentido: destruíram a EMBRAFILME e derrubaram as estruturas do cinema brasileiro, levando consigo estúdios, laboratórios, planos e sonhos. Foram 5 anos de terra arrasada, mas depois de muito esforço e luta nos reerguemos. Os governos terminam, mas a produção cultural segue pulsando, pois é uma necessidade atávica dos seres humanos, apesar de seus governantes.
Até mesmo quando não ameaçados diretamente, os criadores e produtores culturais brasileiros têm sido, no máximo, tolerados. E quando reconhecidos em sua importância, recebem recursos e programas de apoio como se fossem favores – concessões para algo supérfluo. Jamais a cultura e as artes receberam o devido reconhecimento do que representam para a cidadania, para a educação, para uma real inclusão, para a constituição de nossas identidades diversas. Em raros momentos gozaram de estruturas sólidas e sustentáveis de apoio que por isso se desfizeram.
E hoje, quando tudo ou quase tudo que já era precário desmanchou-se no ar, são poucas as perspectivas de reconstrução. Viveremos um novo momento desértico? Pode ser; aliás já o vivemos em parte, mas não iremos desaparecer porque não se mata uma cultura e o nosso cinema é a prova indiscutível da capacidade de resistir e de seguir criando.
Mas será mesmo possível e desejável apagar o nosso passado, o conjunto das imagens que encerram os nossos olhares, depositado na Cinemateca Brasileira? Fazer com que sumam do mapa cinematográfico os clássicos brasileiros que atingiram inegável reconhecimento aqui e no mundo? Levará o descaso brasileiro à anulação de importantes contribuições à linguagem estudadas em livros e teses,
que deram origem a outros filmes e foram eternizados em restauros nas mais importantes cinematecas do mundo?
A Cinemateca Brasileira abriga esse grande tesouro. Nela estão também depositados registros de amadores que se estendem do início do século XX até hoje, todo o arquivo do Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo, o DIP; uma parte considerável do acervo da TV Tupi, todas as imagens e matérias do Canal 100, além de parte considerável da produção audiovisual brasileira contemporânea. São 250.000 rolos de filmes e cerca de 1 milhão de documentos.
Mais uma pergunta: o país que assiste impotente à queima da fauna e da flora do Pantanal e da Amazônia irá tolerar o apagamento das imagens que constituem a nossa identidade como nação? Aceitaria a ocorrência de uma nova vergonha que se somaria à vasta lista de vergonhas nacionais, entre elas o calamitoso e
anunciado incêndio do Museu Nacional?
Em dezembro do ano passado, quando o Ministério da Educação não renovou o contrato com a Associação Roquette Pinto, OS responsável pela gestão anterior da Cinemateca Brasileira, esta última ficou acéfala e em quase total abandono por seis meses, fruto da omissão da Secretaria Especial de Cultura que na ocasião não resgatou a instituição para os seus quadros.
Dado o risco alarmante para o seu acervo e instalações, ocorreram importantes mobilizações da comunidade cinematográfica, com destacado apoio internacional e da sociedade brasileira. A tais manifestações, que contaram com ampla cobertura da imprensa, se somou uma ação contra a União movida pelo Ministério Público Federal. No início de agosto, em aparente resposta a estas pressões, a União, através da Secretaria do Audiovisual, retomou as chaves da Cinemateca que ainda estavam em mãos da Roquette Pinto e prometeu providências.
Na ocasião, sentimos que o Secretário Substituto inaugurava um novo momento de diálogo com as entidades da sociedade civil e a comunidade cinematográfica. Chegamos até mesmo a discutir alternativas para que se garantisse a conservação e a integridade do acervo, bem como das edificações da Cinemateca.
O então Secretário pediu duas semanas de prazo para que os serviços básicos interrompidos por falta de pagamentos fossem recontratados e, nova surpresa, sugeriu a elaboração de uma proposta por parte da Sociedade Amigos da Cinemateca, a SAC, para que esta pudesse contratar provisoriamente, por três meses, os funcionários necessários para a manutenção do acervo e do equipamento da instituição. O pagamento seria feito graças às emendas de vereadores paulistanos solidários à luta pela Cinemateca – como Gilberto Natalini, Celso Giannazi e Eliseo Gabriel – que motivaram seus companheiros de Câmara Muncipal a também destinarem parcelas de suas emendas. A prefeitura de São Paulo através da SPCine contribuiria para viabilizar tal repasse ainda neste exercício.
Ao mesmo tempo o Secretário afirmou que a SAV divulgaria em uma ou duas semanas o chamamento para a escolha de uma nova OS para gerir a Cinemateca, com um novo regimento ao qual seria reincorporado o Conselho Consultivo. Composto por entidades do audiovisual, personalidades e representantes da sociedade civil, o Conselho fora desativado pelo então Ministério da Cultura, em
2013.
Transcorridos 50 dias da citada entrega de chaves, após inúmeros telefonemas, mensagens, consultas entre as partes e adiamentos, foram garantidos os serviços básicos e emergenciais de água e de luz (cujos pagamento dos atrasados ainda dependem do reconhecimento da dívida que a ACERP pleiteia); foram contratados os serviços de limpeza, embora a empresa não seja especializada; foram contratados serviços de manutenção dos equipamentos de climatização, embora a empresa não ofereça a expertise necessária; foram contratadas uma mini brigada anti-incêndio composta por dois funcionários e uma empresa de vigilância patrimonial das dependências.
No entanto, entre as necessidades emergenciais falta o fundamental trabalho dos funcionários especializados sem os quais o acervo não estará preservado, mesmo com a retomada dos serviços básicos acima descritos. O plano de trabalho temporário solicitado pelo Secretário à Sociedade Amigos da Cinemateca para o serviço de operação de equipamentos específicos para o monitoramento, a
conservação e a segurança do acervo, ainda não foi aprovado. Apesar dos esforços empreendidos por todas as partes, segue inalterada a situação de enorme risco na Cinemateca Brasileira.
Vale dizer ainda que a dotação prevista no projeto de Lei Orçamentária da União para a Cinemateca Brasileira no ano de 2021 é uma regressão jamais assistida: dos já insuficientes R$ 12.500.000,00 anuais previstos, mas não repassados neste ano de 2020, a previsão é de uma queda brutal para R$ 4.700.000,00 com eventuais R$ 5.297.692,00 que dependerão de aprovação no Congresso! Com uma verba como essa a Cinemateca Brasileira, será reduzida a um mero depósito de filmes, negando toda a sua importância e excelência como centro de preservação, irradiador do cinema e da cultura.
Assim, esse Manifesto das entidades envolvidas no movimento pela Cinemateca Brasileira é um alerta à comunidade audiovisual e à sociedade brasileira bem como ao atual governo que hoje é inteiramente responsável por tudo o que vier a ocorrer com uma das maiores Cinematecas da América Latina e que já foi considerada um dos 5 (cinco) mais importantes centros de restauração de filmes do mundo.
As manifestações públicas ou não, que conheceram um justo e paciente arrefecimento em função das negociações, podem ser retomadas se o importante diálogo que iniciamos não resultar em soluções efetivas. É urgente que se coloque um ponto final à insustentável situação de risco em que se encontra a Cinemateca.
As associações de cineastas, de preservadores Audiovisuais, as cinematecas de todo o mundo, os festivais de cinema, a imprensa nacional e internacional, a comunidade artística, os frequentadores e amantes do cinema, aguardam uma solução urgente e imediata para a Cinemateca Brasileira, quem sabe, viabilizada por uma parceria inédita entre o poder público e a sociedade civil.
PELA REABERTURA IMEDIATA DA CINEMATECA BRASILEIRA!”
Signatários:
SOS CINEMATECA-APACI – Associação Paulista de Cineastas
ABPA – Associação Brasileira da Preservação Audiovisual
CINEMATECA VIVA
CINEMATECA ACESA
Adesões:
48o FESTIVAL DE CINEMA DE GRAMADO
4o CONEXÕES GRAMADO FILM MARKET
AAMICA – Associação dos Amigos da Cinemateca Capitólio – RS
ABC – Associação Brasileira de Cinematografia
ABELE – Associação Brasileira das Empresas Locadoras de Equipamentos e
Serviços Audiovisuais também assina.
ABRACCINE – Associação Brasileira de Críticos de Cinema
ABRACI- Associação Brasileira de Cineastas (RJ)
ACCIRS Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul
AMC- Associação dos Montadores de Cinema
AAMICA – Associação dos Amigos da Cinemateca Capitólio
ANDAI – Associação Nacional Distribuidores Audiovisual Independente
API – Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro
APTC ABD RS – Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos do RS
BRAVI – Brasil Audiovisual Independente
COLEGIADO SETORIAL DO AUDIOVISUAL do Rio Grande do Sul
CONNE – Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste
DBCA – Diretores Brasileiros de Cinema e Audiovisual
FORUM BRASILEIRO DE ENSINO DE CINEMA E AUDIOVISUAL
FRENTE NACIONAL DE PRODUTORES
FRENTE PARLAMENTAR DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO
FRENTE PARLAMENTAR MISTA EM DEFESA DO CINEMA E DO AUDIOVISUAL
DA CAMARA FEDERAL
PAVI- Pesquisadores do Audiovisual e da Iconografia
SIAESP – Sindicato da Indústria Visual do Estado de São Paulo
SIAV Sindicato da Industria Audiovisual do Rio Grande do Sul
SICAV – Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual (RJ)
SINDAV MG – Sindicato da Indústria Audiovisual de Minas Gerais
SINDCINE: Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual dos Estados de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins e Distrito Federal
STIC – Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Industria Cinematográfica e Audiovisual
Ministério do Turismo, Secretaria de Estado da Cultura e Stella Artois apresentam o 48º Festival de Cinema de Gramado. Lei de Incentivo à Cultura. Patrocínio: Stella Artois. Copatrocínio: Vero, a maquininha do Banrisul. Apoio Especial: Companhia Riograndense de Saneamento – CORSAN. Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Novas Façanhas. Apoio: Adylnet/Connect City, Laghetto Hotéis, The End, Miolo Wine Group, Stemac Grupos Geradores, Cristais de Gramado, Caracol, Planalto Chocolates e Tecna. Exibidor Oficial: Canal Brasil. Agência Oficial: Vento Sul Turismo. Apoio institucional: Museu do Festival de Cinema de Gramado, SIAV RS, ACCIRS, IECINE, APTC/ABD-RS, Fundacine, Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Ancine. Agente cultural: AM Produções. Promoção: Prefeitura de Gramado. Financiamento: Pró-Cultura/RS, Secretaria de Estado da Cultura, Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Realização: Gramadotur, Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo, Governo Federal, Pátria Amada Brasil.